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19:45 - 17/10/2023
ULTIMA ATUALIZAÇÃO::
Pivô entrevista Mayana Redin

Leandro Muniz – Gostaria que você começasse comentando sobre sua formação.

Mayana Redin –Eu me formei em comunicação e artes ao mesmo tempo e, tanto na arte quanto na comunicação, me interessei por filosofia, de um modo meio errático. Na comunicação, comecei a me interessar por pensar técnica, meio, mídia, já desidentificada com o mercado de trabalho da área. Nessa altura comecei a entrar em contato com vídeo, cinema, linguagens híbridas e a pensar a imagem. Nas artes visuais, fui me direcionando mais ao pensamento do tridimensional. Então foi uma formação que me levou a fazer relações entre corpo e linguagem, matéria e imagem. Fui começar a fazer “trabalhos de arte” só quase no final da faculdade. Tinha um certo descontentamento com a feitura de objetos, por mais que estivesse empenhada em fazê-los.

Meu caminho natural, por achar que a arte é algo que me faz pensar, foi ir para o mestrado. Para mim a teoria e a filosofia são inspiradoras, assim como ver filmes, ler literatura. Arte me faz pensar, em especial sobre o quão difícil ou o quão interessante é abrir a linguagem. A formação também é procurar seus pares de conversa, que às vezes já estão até mortos, e como você inventa um modo de vida, uma política de vida, no meio de tanto achatamento da subjetividade.

 

LM- Fiquei pensando nas diferenças que existem entre o “Pacotão” e seus trabalhos anteriores. O procedimento de criar analogias formais entre coisas distintas já estava nos mapas de “Geografia de encontros” ou nas projeções de  “Astronauta e Cosmonauta”. Mas, no “Pacotão” existem dados novos: Uma saturação cromática que não tinha aparecido antes e um dado pop declarado. Há uma mudança temática em relação aos seus outros projetos, que eram mais ligados a cosmologias e cartografias, mesmo que essas coisas no fundo fossem só um pretexto para lidar com a linguagem. Como você vê essa mudança?

MR –O “Pacotão” veio depois de uns trabalhos em que fazia e assava pães recheados com livros de astronomia e cosmologia. Essa série de experimentos veio de um desejo de jogar para um lugar mais ordinário a minha relação imaginária com o cosmos e também experimentar uma relação diferente com o tempo no trabalho. O livro que antes seria lido agora é “engolido” pela matéria. É fermentado, assado, depois endurecido ou apodrecido. O objeto gerado está em processo o tempo todo. Isso me pareceu absurdo e o absurdo de certo modo é o centro do projeto. Alguns anos antes já imaginava o “Pacotão”, quando passava na frente do Pivô e via a coluna, mas  aquilo ainda não tinha vindo à tona como possibilidade de execução. Só depois do trabalho com os pães é que me pareceu plausível realizar o trabalho. Justo porque esse dado do absurdo começou a se apresentar com mais força.

Esses jogos de redução e ampliação, de projetar imagens de contextos diferentes num mesmo lugar já existia nas operações de outros trabalhos. São operações muito rápidas relacionadas à apropriação e aproximação de coisas que estão distantes. O “Pacotão” também se aproxima de um interesse meu pela ocupação temporária do espaço e a especificidade dele. Tenho trabalhos que se apresentam e se desmancham, mas têm uma presença forte como objeto. O “Pacotão” vem de um pensamento da escultura, mas não só. Não posso transportá-lo sem destruir um edifício, então ele sugere essa imagem absurda da destruição. Para mim, o trabalho começa pela imaginação, se concretiza no objeto, mas continua depois, pela imaginação, também. Isso me interessa para além do objeto “em si”.

 

LM –O “Pacotão” tem um elemento de ironia, pela relação feita entre a coluna arquitetônica e um pacote de bolacha maizena. Para além da piada inicial, há pontos de contato e divergência entre a arquitetura do Oscar Niemeyer, na qual o trabalho foi instalado, e a obra Lygia Pape, de onde você apropria a imagem do pacote de bolacha, ainda que na versão atualizada pela marca. Quais são as consequências dessa aproximação?

MR- É um pouco tragicômico, talvez? Acho que existe uma relação entre tristeza e ironia que permeia todo o meu trabalho. Niemeyer e Pape já existiam no meu imaginário e, claro, só posso fazer esse trabalho porque eles fizeram o que fizeram, estão inseridos na história. Eles não são o ponto de partida, mas estão no fundo do trabalho. Digo que só foi possível imaginar  o “Pacotão” assim como foi executado porque alguém antes imaginou uma embalagem de biscoito de maizena e outro alguém uma coluna com proporções parecidas.

Usei o layout do pacote que está em circulação, que de toda forma mantém muitos elementos do layout original da Lygia, porque queria que ele pudesse ser encontrado na loja de biscoitos na próxima esquina,  não queria que fosse somente uma referência histórica, apesar dela estar contida ali.

Essa arquitetura e esse design estão no imaginário brasileiro. Incorporamos as formas do Niemeyer como algo completamente particular e isso só aconteceu no Brasil. As colunas cilíndricas, por exemplo, foram copiadas à exaustão. A mesma coisa aconteceu com o design da Lygia. Pesquisando, eu percebi que ela não só fez o logo e todo o planejamento visual, como também inventou uma forma de embalagem em que o invólucro acompanha o formato dos biscoitos, que antes vinham em caixas. Então todos os pacotes passaram a ter a forma do conteúdo, enquanto você come os biscoitos, os pacotes vão murchando. É como se você comesse a forma.

 

LM- Em geral os projetos do Hello.Again preenchem mais fisicamente o espaço. Sua escolha foi transformar o espaço por um tratamento de superfície na coluna. Como se deu a escolha pela pintura? Afinal, você poderia revesti-la com um plotter.

MR – Pensei imediatamente na pintura para realização do trabalho. Não me pareceu interessante adesivar, primeiro por uma questão de qualidade da imagem final, depois por limitação financeira. A pintura é importante por reproduzir à mão esse objeto que é feito industrialmente, ela faz com que essa pergunta fique no ar: Por que fazer manualmente algo que poderia ser impresso?

Trabalhei com dois pintores de universos diferentes, então no total éramos três artistas com experiências diversas. O Adelson é um pintor letrista, de murais e cartazes que faz exatamente isso como trabalho: anúncios de produtos. Mas aqui ele não fez um trabalho bidimensional, era tridimensional, então talvez tenha lidado com alguma diferença. O Matias tem trabalhos com o grafite, então consegue entender a questão da imagem em escala.

Eu estava apreensiva porque é um trabalho que por mais que fosse grande, seria visto de perto, então queria que a pintura tivesse o mínimo de expressividade, que fosse  muito fiel ao pacote. Justamente porque a embalagem da Piraquê tem composição modular e geométrica, era possível, e relativamente fácil, reproduzir com a pintura, diferentemente de outras marcas que optam pela montagem fotográfica no layout.

Foi curioso, porque nunca achei que fosse fazer um trabalho de pintura ou que tivesse a ver com pintura. Realmente, não fiz: é um trabalho que tem a ver com ideias, imagens e a pintura no meio, mas acabei me confrontando com aquilo. Ao contrário da reprodução da imagem, a pintura traz um elemento mais frágil, meio triste. Por isso pensei muito na pop: porque é esse mundo aparentemente igual ao mundo do consumo, mas com alguma coisa estranha. Sem falar no fato de ser uma imagem de um pacote de bolacha sustentando um edifício, que já é por si só trágico.

 

LM –É interessante pensar o quanto o  trabalho final é parecido com o projeto. Gastar tanto tempo produzindo manualmente algo que se assemelha no fim com uma colagem digital feita rapidamente é lançar a técnica a um fundo perdido. Vejo um dado crítico no tempo empreendido para para fazer manualmente algo que poderia ter sido feito em uma máquina, assim como na alteração de escala, quando você equipara o pacote de bolacha descartável à arquitetura, que tem um peso e é feita para durar.

MR – Isso também foi legal da pintura: ver muito lentamente a coluna se transformando em pacote de bolacha. O trabalho começou na ação de pintar, porque o processo ficou visível aos passantes pelas paredes de vidro. Dia a dia a imagem ia se formando e transformando a coluna, como um parasita tomando conta de um objeto que está imóvel. Era parecido no trabalho dos pães, porque era uma inversão, o ordinário se apropriando do monumental. Quando vi o trabalho pronto me deu um pouco de vertigem, porque é uma ampliação violenta de algo ordinário. Pode ser considerado um dado crítico no sentido em que realmente não é uma ode à técnica, mas também não é uma ode à manufatura.

 

LM – O título “Pacotão” se refere à mudança de escala, mas também ecoa expressões populares como “proibidão” ou “pesadão” que circulam muito, em especial no Rio de Janeiro, onde você mora. É um título que reitera o procedimento do trabalho, mais do que criar uma descrição conceitual, como nos seus outros projetos.  Como se deu a escolha do título?

MR – Acho muito legal títulos de trabalhos que não parecem títulos de obra de arte. Costumo dar apelidos para os trabalhos, que depois ganham nomes oficiais. Depois penso que seria muito melhor se tivesse deixado os apelidos. No “Pacotão”, foi a primeira vez que mantive o apelido. Sim, o nome reforça a operação, porque força a “escala” da língua. Pode ter a ver com a ressonância desses nomes que circulam por aí. Também fico pensando nos títulos no diminutivo, como as “Droguinhas” da Mira Schendel. Tirar a significação do título em si pra dar lugar ao som. Gosto do diminutivo e do aumentativo porque dão a impressão de uma medida inadequada. O português brasileiro tem muito disso: criar expressões para dar conta de coisas que não encontram lugar na linguagem oficial. Tanto que na tradução para o inglês perdemos a expressão, apesar de soar interessante também, “Big Package”.

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