PT | EN |
MENU
FILTROS
MENU
Blog
19:44 - 17/10/2023
ULTIMA ATUALIZAÇÃO::
Pivô entrevista Flora Rebollo e Thiago Barbalho

Leandro Muniz – Gostaria que vocês começassem falando sobre a ideia de formação.

 Thiago Barbalho – Estudei filosofia e tenho interesse pela escrita como lugar de expressão de ideias e como possibilidade de dar sentido para a realidade. A filosofia me permitiu encontrar pessoas dedicadas a investigar o pensamento e possibilidades de compreensão do mundo. Fiz mestrado e vim para São Paulo para publicar os textos que escrevia. A escrita me põe em conflito com meus demônios e crises, na época, eu pensava que levar esses conflitos para o mundo seria o máximo que poderia fazer.

Num momento trabalhei em editora e entendi questões que estão em volta do trabalho em si, como sorte, quem gosta da sua pesquisa ou não… Comecei a entrar em crise com a escrita, porque a palavra já não dava conta dos meus interesses. Passei a pensar sobre os limites da linguagem e o desenho voltou como um lugar em que eu podia ficar comigo mesmo, meditando, num estado de consciência que me interessava, porque me fazia expandir a compreensão do meu momento no mundo.

Eu vim da filosofia, da racionalização e da organização do pensamento, mas comecei a ter crises com isso também, porque não conseguia lidar com um mundo que é muito maior que a minha capacidade de compreendê-lo. Comecei a investigar modos de alteração da consciência como isolamento, meditação e plantas que alteram a percepção. Essa busca por experiências de êxtase que pudessem alterar a consciência veio no mesmo momento em que voltei a trabalhar com os desenhos. Era muito prazeroso fazê-los, porque me faziam sair de mim e certas questões racionais se tornavam menos importantes.

 

Flora Rebollo – Eu fiz artes plásticas na USP e me formei em escultura. Durante a graduação nunca imaginei que fosse trabalhar com desenho. Fiz parte de um coletivo chamado “Hóspede” no qual fazíamos esculturas e instalações pensadas especificamente para alguns contextos. Nada a ver com o que estou fazendo hoje.

Quando o grupo acabou, comecei a trabalhar sozinha, fiz fotografia por um tempo, mas chegou uma hora que eu achava tudo muito chato. Não estava interessada no que estava fazendo, porque eu estava tentando aplicar o jeito como trabalhava com o grupo – que foi a minha formação de como pensar e fazer arte – no meu trabalho pessoal. Só que essa dinâmica funcionava muito bem no grupo, para mim não tinha a ver. Uma hora perdi totalmente o tesão e decidi fazer alguma coisa que fosse mais intuitiva, então voltei a desenhar.

Na verdade, sempre desenhei, só tinha parado durante a faculdade. Voltei a desenhar porque era algo muito fácil: só sentar na mesa e fazer algo mais imediato, automático e intuitivo. Desde então, o tipo de trabalho que faço com desenho também mudou bastante. Fui descobrindo o jeito que eu gostava de trabalhar e a forma do trabalho veio com a prática, nunca de uma pesquisa prévia.

 

TB – Você falou que o desenho está próximo, que é imediato e eu me reconheço nisso. Mas seu desenho tem algo muito particular, você não ficou desenhando seu quarto ou você mesma, por exemplo, mas aquele “corpo de desenho”, com massas de cores e grafismos. Como que foi por esse caminho?

 

FR – Os primeiros desenhos que eu fiz eram mais figurativos: uns chapéus, umas saias, planetários… Antes, eu trabalhava muito com referência de fotografia, escolhia imagens que me interessavam e fazia o desenho a partir delas. O que estou fazendo hoje é resultado de uma volta ao desenhar, sentar na mesa e fazer. A prática me despertou um interesse cada vez maior pelos materiais e por aquilo que estava fazendo. Na hora que me livrei completamente da necessidade de discursos que justificassem o desenho, o trabalho explodiu e se tornou o que é hoje.

 

LM- Como vocês pensam o desenho em relação às outras formas de produção de imagem hoje e em relação a outras linguagens?

FR- O desenho tem mil possibilidades e existe de mil maneiras, isso é muito legal. Ele pode ser projeto, rabisco, rascunho, anotação… O desenho se presta a várias funções, inclusive o desenho como desenho, que é o que a gente faz.

 

TB – O desenho é uma linguagem mais imediata, o gesto é direto. Já experimentei tinta e pincel, mas parece que me distanciam desse gesto em que minha cabeça passa pela mão, sem precisar de uma preparação prévia, como na pintura.

Isso é muito importante para mim e acho que o trabalho da Flora também tem: o registro instantâneo do gesto de desenhar, sem a preparação de um plano, nem a mediação de uma técnica que controlem as etapas dessa ação. Fiz outros trabalhos com vídeo e tenho a escrita, mas também tem uma edição, você tem que reescrever… O desenho é mais direto. E me pergunto: como resolver tantas inquietações com materiais tão simples como papel e caneta?

Também é prazeroso desenhar, sinto uma satisfação com o resultado do trabalho e um acolhimento ao mostrá-lo às pessoas, ao mesmo tempo que eu resolvo tudo com o que está ao meu redor, sem projetar uma realização pessoal para um outro lugar que não o agora. “Tenho um pedaço de papel e uma caneta, tenho que resolver isso aqui” e assim vai se formando um corpo de trabalho…

Já li alguns textos teóricos ligados à psicanálise, dizendo que o desenho é um dos lugares mais imediatos do trabalho mental.

 

FR- Como uma tradução do pensamento para um acontecimento material… Isso fica mais complexo conforme a gente trabalha. Às vezes penso em fazer trabalhos tridimensionais, tenho essa vontade, até tentei alguma coisa,  mas no fundo é um alívio ter só o desenho pra resolver. Também sinto que me inquieto com tantas coisas que se tivesse que lidar com outras linguagens, eu não ia dar conta, ia me perder. Ficando no desenho eu simplifico um pouco as escolhas, porque no desenho tudo pode acontecer. Você pode colocar tudo o que você quiser.

 

LM – Vocês falaram que “no desenho tudo pode acontecer” e “de um modo muito imediato”. Quando vocês falaram tudo, me fez pensar em como ambos os trabalhos incorporam diversos recursos gráficos –hachuras, manchas, preenchimentos de superfícies – mas também materiais –canetinha, lápis de cor, grafite, bastão oleoso– e referências – há relações com os desenhos animados, imagens de galáxias que vemos em protetores de tela, doodles, entre tantas outras. Como vocês pensam essa mistura de tantos elementos nos seus desenhos?

TB – Uma vez falei para um amigo que também é artista “Eu quero me sentir um homem das cavernas rabiscando” e ele me disse “Mas você não é um homem das cavernas. Você está enfiado nesse mundo de hoje, cheio de referências, na maior metrópole do Brasil.” Então o gesto talvez seja essa ação mais primitiva e imediata, talvez o mesmo gesto do sujeito na caverna, mas é totalmente diferente estar enfiado nesse monte de referências, ainda mais numa cidade enorme, como São Paulo.

O desenho, nesse processo que temos, abre o máximo as possibilidades de materiais, referências e recursos. Daí você abre tanto que viram essas massas onde você vê de tudo… Naquele momento que estou só comigo rabiscando, é o lugar de maior liberdade possível. Não quero fazer nenhuma censura, nenhum filtro moral, daí tudo pode entrar:  A caneta Posca, o bastão oleoso, o desenho do Bob Esponja e coisas super sérias.

Mas me interessa que isso entre de maneira honesta, no sentido de ser ligada ao processo mental, sem ironia. Daí me livro da ideia de bom gosto e mau gosto ou do que é bonito e do que é cruel, do que é prazeroso ou do que é mal-estar.  Às vezes me interessa me confrontar com esses outros critérios, não para filtrar, mas para absorvê-los dentro do desenho e poder afirmar todas as sensações humanas.

 

FR – Eu tenho interesse em construir superfícies heterogêneas, por conta da variedade de materiais, de gestos e também de assuntos e formas que aparecem nessas superfícies. No meu caso existe um modo de fazer um pouco randômico: quero pôr tudo e dar conta de tudo, sem escolher uma paleta de cor reduzida ou específica, mas colocar todas as cores e recursos que tenho. Eu tento fazer o mínimo de escolhas possíveis: Não escolho poucas cores, mas tudo que eu tenho no ateliê, o que é uma escolha também… As escolhas para mim são da ordem do intuitivo ou de não restringir.

E vem com essa ideia de abrir as possibilidades, que o Thiago comentou. Também tem a ver com uma natureza randômica do pensamento, que vai para vários lugares muito rapidamente. É uma tentativa de dar conta do fluxo e do movimento de todas as coisas e do quanto ele é heterogêneo. Não tenho um projeto inicial e vou descobrindo as coisas ao longo do processo. Sempre que sinto que estou viciada em algum procedimento, tento mudar de estratégia e de caminho, para deixar o trabalho o mais livre possível.

 

 

 

 

0
    0
    Carrinho de Compras
    Seu Carrinho está vazioVoltar à Loja