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19:31 - 17/10/2023
ULTIMA ATUALIZAÇÃO::
Maya Quilolo: ORI DE COBRA É MISTÉRIO DO MUNDO

Ori de Cobra d’água é um experimento poético performático que permite a narração do corpo feminino e negro em sua dimensão Atlântica. A mescla de linguagens visuais e performáticas pretende dar a ver o corpo mitológico de Maya Quilolo. Maya Quilolo é quilombola, artista e pesquisadora e carregou as águas do rio Watu (Rio Doce) para a deusa Yorubana Osun em Osogbo, na Nigéria. Seu Ori de Cobra D’água partiu em busca das alianças sagradas para restituir o pacto de vida entre os povos do mundo e os rios que cortam a América. Em seu sotaque pretoíndio, típico do vale Jequitinhonha, região de nascença de seu corpo humano, Maya nos convida a sentir e viver o atravessamento de rio que mescla imagens de seu próprio corpo-cobra com as águas dos rios que atravessam suas rotas de onha (peixe) andeja.

 

Cada curva/encruza revela o ODU (caminho), onde também se firma o EBÓ (oferenda/trabalho)

ORI DE COBRA É CAMINHO DE FERRO

O mundo acabou quando os monstros cavadores de terra fizeram explodir o seu ventre de magma reptílico. Havia muito tempo que vinham fazendo feridas na sua carne terrestre aprofundando cada vez mais a sua dor. O pó das guerras de outro tempo emergiram para ver o fim do mundo outra vez, assim cobriria segredos de ferro e água. Quando pisei em solo caboclo levantei poeiras de ferrugem atlântica. Com o pó do fim eu me fiz e minha pele de sangue e lama é escudo de guerra. Meu nome é Maya Quilolo e com meu corpo de cobra subterrânea fertilizo solos apocalípticos.

 

VULGO DE COBRA É RASTRO DE GUERRA

Enquanto murmúrios de áurea capturada sopravam ao ouvido. O ori aponta o caminho do corpo estreito, porém inevitável. O espaço em branco espreme a sensibilidade. Contra o cerco, a rua, a margem – beirada na qual também me faço. Meu nome é Maya Quilolo e meu vulgo é rastro de guerra.

 

ARAGEM DE COBRA É MANIVA

Em solos de fim do mundo é preciso plantar maniva/uaipi/aipim/mandioca. Maniva é planta de cura da terra, é quem recupera os solos empobrecidos da destruição: a ela devemos respeito. Para plantar é preciso conhecer o espírito de Maniva, reverenciar sabedoria de enraizar em terra de guerra. Para comungar com Maniva fui bicho humano: me alimentei de sua carne e marquei a sua pele, dei-lhe um pouco de mim, tomei um pouco do que é dela. A pele irmã de Maniva abriga agora minha profecia e para fazer vê-la é preciso o vermelho urucum dos povos que guardam o seu segredo. Meu nome é Maya Quilolo e com meus tentáculos de leguminosa xamânica eu aro os solos de um novo tempo.

 

O NOME DE MAYA QUILOLO

Maya, um nome afetivo, familiar, dengoso, reconhecido pela minha família Atlântica. Quilolo: aquela que vai à frente nas guerras do Quilombo, guerreira de vanguarda. Nasci no encontro das águas límpidas do rio Araçuaí e as águas escuras do Rio Jequitinhonha. Pode ser que antes eu era transparente como o Araçuaí, água límpida, refletindo a luz de dentro de mim, e no encontro com o mundo me tornei imensa como o Jequitinhonha: turva, barrenta, opaca. Uma opacidade própria dos que precisam caminhar légua de mundo.

 

Meu corpo de cobra d’água floresce dentro de mim. Como nasci no encontro, vislumbrei sabedorias de Eshu, tenho o corpo dividido ao meio, sou Dan e também Boiúna. Carrego no corpo as cores brancas: sinal erguido pelo povo bantu no quimbundo Rosário; e vermelha: pretoíndio caboclo de minha avó e de minha mãe.

 

Meu corpo de cobra anfíbia está acostumado aos dilúvios. Toda vez que o Jequitinhonha chega pesado, com sua água turva de mundo, eu abro minhas narinas de cobra de cabeceira e cheiro o curso do Calhauzinho, bebendo da água do Araçuaí para não me afogar. Quando não me afogo, então é porque nasço e respiro o ar tranquilo, leve, como ser que acabou de chegar.

 

Maya Quilolo, 2021

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