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19:31 - 17/10/2023
ULTIMA ATUALIZAÇÃO::
Bárbara Milano: Ciclo Cura
Com Catarina Duncan, dando início à residência

Meu nome é Bárbara Milano, sou artista atuando a partir de múltiplas linguagens. A bicicleta faz parte da vida desde criança (sem muitas pretensões), e já fiz do pedal transporte em temporadas por Teresina, no Piauí e Florianópolis em Santa Catarina. Atualmente vivo e produzo em São Paulo, onde vivenciei o processo do qual compartilho a contação…

 

A bicicleta como dispositivo, mesmo junte, nos coloca num distanciamento inerente. Dadas as circunstâncias impostas pelo Covid, esse trabalho se relevou.. na prática de pedalar. Começa antes de começar, há coisa de um ano atrás, quando Marina Kohler Harkot morreu sobre uma bicicleta; me deparei com um sentimento de [ empatia ] tremendo enquanto ouvia aquela família contando da trajetória acadêmica, da esperança de que o ato político levaria a uma outra práxis de vida, da morte prematura; Marina morreu jovem como minha irmã, e de alguma forma eu compreendo parte desses dois acontecimentos distintos como próximos num universo indiscutivelmente sistêmico. O ciclista, assim como a mulher, é sempre culpado pelo mal que lhe é infringido. É sobre uma vulnerabilidade que o corpo tem sobre a bicicleta, que o corpo da mulher tem na vida. E talvez não por acaso, Marina além de ciclista, era uma mulher.

Auto-retratos enquanto pedalo, gosto muito de fazer esses registros

As coisas foram acontecendo juntas, e num tempo próprio. A morte de Marina, o resultado da seleção para o ciclo II do programa Pivô Pesquisa e uma prática de mobilidade outra, sobre a bike, sobre o carro… A Pandemia, e antes disso, o fenecer de Bia, minha irmã (Beatriz Milano), vítima de um feminicídio por violência doméstica, havia me tirado o desejo constante de movimento. Mas aos poucos e de repente eu me via novamente percorrendo espaços longos entre um lugar e outro; Esses dois corpos metálicos, de 2 e 4 rodas acontecendo simultaneamente criaram um senso de percepção bastante próprio. Ora a vulnerabilidade da bike de minha irmã agora comigo, ora a atenção rigorosa que o carro exige. Como se eu fosse as duas faces de uma mesma realidade que havia me tocado meses atrás. É absurdamente interessante como parece haver um sentido cósmico de identificação, antena soberana… Por vezes passo por pessoas na bicicleta quando estou dirigindo e é sempre acentuada uma suposta comunicação silenciosa entre nossos corpos. Quando você está na bike, sente um pouco quem vai dar passagem ou não.

Rodovia dos Imigrantes, que dá acesso ao litoral Paulista. É proibido descer de bicicleta

Não por um acaso, conheci She, cuja bicicleta era o meio, deixou de dirigir para pedalar faz mais de dez anos. Passamos a fazer longos percursos entre minha casa na Zona Leste e Lapa, do outro lado, onde o sol se põe. Até chegar ao extremo Sul, na represa de Guarapiranga.

Represa de Guarapiranga

A primeira vez que você percorre 50km é sensacional; O corpo se tonifica de uma vivacidade inerente e pulsante. Conversas, pesquisas, vídeos, passeios… De algum modo eu já estava ali, no processo. Imaginei que quando a residência começasse minha forma de conduzir seria outra, contudo, sinto que não há nada além que eu possa fazer no que se refere a uma possível difusão do prazer de pedalar. Ele existe por si, e é muito maior que eu. Talvez eu pudesse documentar meu espaço/tempo fragmentado no feed do Instagram. Mas não é exatamente sobre isso… É justamente sobre poder estar off-line. A mercê dos próprios sentidos. É mais político, é sobre estar junte e serem possíveis um outro corpo e um outro movimento. É possível falar da violência, é sempre possível falar da violência. No início me incomodava ver qualquer uso da ciclovia que não fosse por ciclistas, aos poucos fui percebendo que é preciso conviver. Me enviaram um link de uma encruzilhada na Índia… E, é isso. É preciso conviver. E como viver junto?

SEREMOS FUTURO, obra de Verena Smit na ciclovia da marginal Pinheiros

Ákrata, que convidei para fazer interlocução com este trabalho, surge nesse processo como ponte, trazendo referências, sobretudo, da vida. Entregador anti-facista e artivista; Nossas conversas foram de dicas sobre pequenas marcas produzindo utilidades para ciclistas ao mapeamento da agricultura orgânica no espaço urbano da cidade de São Paulo. Tanta coisa que o trabalho foi ficando do tamanho do mundo. Fazer caber é fragmentar a prática em semente. Sinto que meu processo artístico é sobretudo sobre conversar.

Com Ákrata, cicloativista

A conversa como forma de arte, forma de cura, forma de sanar o entendimento sobre o que nos cerca. Em termos acadêmicos eu poderia me debruçar sobre a estética relacional pra falar dessa tal de forma. Mas não é sobre a forma, é da prática, do ato, da experimentação artística. Que me permite trazer neste caso, a palavra: veículo. Que este texto possa ser veículo do tempo debruçado sobre a escuta das experiências outras que me permeiam nessa escrita.

 

Uma outra Marina. Marina Schiesari, assistente de produção no espaço Pivô, faz da bicicleta o transporte para os fluxos, incluindo os mentais, metais… Da bike como extensão do corpo, a prática de pedalar como auto-cura… “No começo eram 10km por dia, depois 20, e assim foi” […] Marina encontrou espaço de transcendência e catarse para si numa vivência bem particular, transeunte cicloviário do espaço urbano.

Com Marina, janelas de tempo no espaço trabalho

Ser instrumento de escuta dessas jornadas através do ciclismo foi o que se mostrou sentido nesse processo de pesquisa, faz refletir sobre minha experiência mediada por esse dispositivo, e compreender um pouco as válvulas acionadas a partir disso. Embora a noção de [ cura ] esteja em minha narrativa – chamo o que faço de práticas híbridas para cura – foi com Marina que percebi mais nitidamente essa pulsão dentro desse trabalho. Acho que isso está ligado ao aumento da procura por bicicletas nos tempos pandêmicos, a busca de algum ar, em tempos tão rarefeitos.

 

É interessante pensar, que entre índices aumentados, além das mortes, estão o resgitro de ocorrências sobre violência doméstica, feminicídios (vale explicar: homicídio pela condição de mulheridade, cis ou trans) e abuso infantil.

 

Que a roda da suculenta cura gire, sobre todes nós.

 

[…] “Se quisermos, após essa pandemia, reconfigurar o mundo com essa mesma matriz, é claro que o que estamos vivendo é uma crise, no sentido de erro. Mas, se enxergarmos que estamos passando por uma transformação, precisaremos admitir que nosso sonho coletivo de mundo e a inserção da humanidade na biosfera terão que se dar de outra maneira. Nós podemos habitar este planeta, mas deverá ser de outro jeito.” […]. (Ailton Krenak, 2020)

 

Falando a partir da cidade de São Paulo, não poderia deixar de mencionar Renata Falzoni, cicloativista com uma jornada de 45 anos de luta na mobilidade ativa. Aos que se interessam em saber mais sobre o assunto, no portal Bike é Legal encontrei dicas e papo reto sobre os desafios de pensar a bicicleta como alternativa à estrutura vigente. E como seria a cidade se fossem muitas cidades possíveis dentro dela?

 

Por que é proibido descer de bicicleta? Porque somos obrigados a fazer uso de sistemas inorgânicos impostos por uma lógica que pouco prioriza o bem estar do sujeito? Em memória de Érika Sallum, falecida recentemente, que dedicou sua vida profissional como jornalista ao cicloativismo, em sua última matéria enfatizava justamente a proposta que coletivos fizeram para estender a Ciclovia Rio Pinheiros por meio de eixos que incluem Guarulhos, Parque Ecológico Tietê e a Rota Márcia Prado chegando ao litoral.

Do outro lado da marginal Pinheiros, uma outra São Paulo na faixa de terra que dá acesso à represa de Guarapiranga

Dessa contação do processo que durou mais que o tempo da residência em si, o convite pra quem quiser chegar junte num pedal percurso Pivô até o Pico do Jaraguá, zona oeste da cidade. Com saída dia 12/09, às 8h na frente do Pivô. Caminho de 22 km, pra chegar no nosso destino pelas 10h e desfrutar a vista. É só chegar! Esperamos vocês!!

 

*Há possibilidade de voltar de trem 😉

Acesse a rota aqui.

*A pandemia ainda não acabou, por isso tome todos os cuidados: use máscara, mantenha o distanciamento, leve álcool em gel.

 

Bárbara Milano, 2021

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