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14:51 - 17/10/2023
ULTIMA ATUALIZAÇÃO::
Entrevista com Erica Ferrari

Entrevista com a artista Erica Ferrari sobre a exposição “CORPOS D’ÁGUA” que fica no Pivô até o dia 30 de agosto

 

Bruno Palma – O título desse conjunto de trabalhos é “Corpos d’Água”, o mesmo de uma outra série apresentada no ano passado. O que levou você a se aprofundar no tema?

 

Erica Ferrari – Na verdade o grupo de obras mais recente tem um adendo no título: se chama “Corpos d’Água – Centro”. Depois de realizar a pesquisa do ano passado, percebi que o mote principal – no caso, a ocupação do entorno dos rios e, em um sentido maior, a presença da água na composição da cidade – me interessava a ponto de poder ser explorado em outro contexto. No primeiro era a região do Rio Pinheiros e os bairros “novos” que foram instalados na sua várzea. Agora é a região do Córrego Anhangabaú e a ocupação urbana mais antiga da cidade. Nos últimos anos a pesquisa histórica e a observação da arquitetura têm me motivado bastante e o centro é um local excepcional para as duas atividades. É o núcleo primordial de São Paulo, que se firmou a partir da presença de três rios/córregos e hoje, ao mesmo tempo em que eles não cumprem mais o papel de provedores, a água está correndo de cima a baixo em toda a massa de edificações ao redor de seus leitos.

 

BP – A primeira pesquisa de “Corpos d’Água”, então, se concentrou sobre arredores de Pinheiros. Nessa segunda etapa, o foco foi deslocado para o centro. Quais as principais diferenças você notou entre essas duas regiões?

 

EF – O domínio sobre os fluxos de água e suas margens em ambos os casos – do Rio Pinheiros e sua várzea e do Córrego Anhangabaú e seu vale – significou dois saltos importantes na expansão de São Paulo. As duas áreas eram limítrofes da cidade em diferentes períodos e foram agregadas à malha urbana através da construção de pontes, retificação e/ou canalização das águas. A diferença mais acentuada para mim é decorrente da época em que cada intervenção ocorreu e no uso do solo resultante. Ali no Vale do Anhangabaú se deu o primeiro plano urbanístico da cidade, prevendo um espaço público, que foi remodelado em projetos posteriores. De fato, o córrego foi canalizado há tempo suficiente para ser esquecido. Já o Rio Pinheiros teve suas margens modificadas mais recentemente e sua configuração natural ainda permanece na memória dos habitantes mais antigos. O rio é visível, mas seu aspecto e entorno não causam muito entusiasmo.

 

BP –São Paulo vive atualmente uma crise hídrica de proporções históricas e que pode vir a se agravar devido à escassez de chuva. Essa questão influenciou de alguma maneira na produção dessas obras?

 

EF – Quando iniciei a pesquisa o tema não estava tão em destaque como hoje. Mas claro que já pode ser considerada como uma questão antiga que permanece na sombra de nossas preocupações cotidianas. Só não esperávamos que essa crise ocorresse aqui, agora e de maneira tão abrupta.

 

BP – Em “Corpos d’Água – Centro” você apresenta um painel formado por uma construção com pedaços de fórmica, algo bem marcante na sua trajetória, mas também exibe outros tipos de trabalho. Gostaria que você comentasse sobre a vídeo-instalação e as fotografias. Qual a relação delas com o conceito que norteia as obras? O público fica à vontade para se sentar e parar algum tempo para observar o vídeo?

 

EF – A fórmica é um material que tenho utilizado continuamente. É um laminado industrial, aplicado como acabamento em móveis e ambientes. O que me fez escolher esse material é a facilidade de oferta, a variedade de cores e texturas, além da possibilidade de manipulá-lo, tanto em peças tridimensionais como em bidimensionais. Consigo trabalhar com a fórmica em um procedimento de recorte e colagem, aproveitando o acabamento quase perfeito inerente ao material. Nas últimas séries de trabalhos senti a necessidade de desenvolver também outras técnicas e apresentar obras em outros suportes.

Por ser fruto de uma residência, os trabalhos de “Corpos d’Água – Centro”, desenvolvidos e expostos no espaço de pesquisa do Pivô, acabaram influenciados pelas características do local e pelo material coletado ao longo do tempo. A perspectiva que a paisagem do centro possui é particular de áreas de atividade econômica avançada – também encontrada em algumas outras regiões da cidade que se desenvolveram posteriormente – e se apresentou para mim como um processo de repetição modular em tudo que observava. Acabou permeando todos os objetos produzidos em diferentes maneiras.

A vídeo-instalação relaciona imagens de pisos de espaços comerciais privados e calçadas públicas, ambos recobertos por camadas de revestimentos sobrepostos ou de diferentes épocas, com imagens dos recortes do céu que o alinhamento do topo dos prédios forma. Essas imagens trazem para mim, além da ideia dessa perspectiva quase infinita presente tanto em arquiteturas internas como na configuração pública do espaço, a relação do vestígio da natureza com as camadas de construção urbana. As fotografias também investigam essas características, no entanto somando–se aí a inserção do painel construído com fórmica (e sua própria perspectiva) nessa paisagem.

Pelo Pivô ser um ambiente de ateliê junto com espaço expositivo, o público se sente um pouco mais à vontade do que em espaços museológicos ou de galeria. Passo algumas horas lá na exposição e as pessoas conversam e querem saber mais sobre o projeto. Algumas param e assistem ao vídeo. Durante a abertura, o sofá que está de frente para a projeção foi ponto de descanso e leitura. Deixei os materiais de pesquisa à disposição e o registro de alguns trabalhos anteriores também.

 

 BP – Gostaria que você comentasse sobre a ilusão de um corredor infinito criada em uma das paredes do espaço expositivo. Ela tem uma característica de composição cenográfica? Como ela dialoga com os demais trabalhos?

 

EF – O desenho e a configuração espacial são geralmente pontos de partida para mim. Os trabalhos em si muitas vezes são planos, mas o espaço de apreensão deles é o que vem primeiro no esboço. Também muitas vezes procuro que a obra bidimensional tenha uma tridimensionalidade ilusória. Nessa exposição isso ficou bem evidente. Achei que era importante manter e até mesmo ressaltar certas qualidades do espaço e incorporar como parte da ideia da perspectiva observada nas ruas. O Pivô fica instalado no edifício Copan, essa construção imensa, de corredores sem fim e colunas de todos os tipos. Quando iniciei a produção do trabalho, o espaço estava aberto e podia-se ver de uma ponta a outra. É uma imagem bastante forte e quase surreal de imaginar que ali no centro de São Paulo existe um lugar com essas dimensões. A parede de fundo da exposição, com o desenho de um infinito de colunas absurdo, faz referência a esse momento e também ao traçado utópico da arquitetura, que quando se materializa se transforma e se sujeita a diversas contingências externas. Então, de certa maneira, essa parede se tornou quase que como um “pano de fundo” para o painel que foi instalado na sua frente, que traz imagens de algumas construções que me parecem arquetípicas da região. Ao mesmo tempo, o desenho da parede se expande e se complementa com as próprias colunas reais do lugar.

 

BP – Há uma área do espaço expositivo em que você expõe estudos feitos para a exposição e objetos variados, muitos deles pessoais, como livros e materiais de trabalho. Qual sua intenção em tornar públicos, de certa maneira, os seus métodos de criação e as suas referências? Existe uma discussão presente na arte contemporânea de que as obras muitas vezes precisam de algum tipo de legenda, algo que conecte o observador com o trabalho e com o artista.

EF – Como parte da pesquisa e quase toda a produção dos trabalhos foi no mesmo local da sua exposição, ali se tornou meu ateliê por alguns meses. Levei objetos pessoais, material de estudo e trabalho para lá. Por fim, devido às próprias características do Pivô e da exposição, resolvi manter parte do espaço como estava, incluindo os materiais. A parede com imagens e a mesa de livros de referência acabaram se tornando pontes para o diálogo com quem veio visitar desde a fase de produção. E ainda serve como tal. Também quis deixar explícito de alguma maneira que o assunto pesquisado é muito mais amplo e complexo do que as obras poderiam abarcar e que tenho consciência disso. Meu tempo e meu trabalho são finitos, a pesquisa pode ser desdobrada em muitos aspectos. Eu me ative somente a alguns. Não sei se busco legendas para o que produzo; acho que o título já dá conta de uma parte do que existe ali e de resto é a obra por si mesma que se encarrega. Mas claro que acho muito difícil alinhar o que você deseja que o trabalho seja, partindo dos seus estudos e intenções, ao que ele se torna no mundo. E esse é um conflito permanente, que vai mudando de contornos conforme você vai amadurecendo. Não sei se consigo chegar nem perto de uma satisfação nesse sentido.

 

‘Corpos d’Água – Centro’ é um projeto de Erica Ferrari, realizado em 2014 com apoio do Proac (Secretaria de Estado da Cultura) e em exibição no Pivô de 02 a 30 de agosto do mesmo ano.

 

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Bruno Palma é músico, jornalista e admirador das mais diversas formas de expressão criativa. Iniciou carreira escrevendo sobre comportamento, passou anos escrevendo sobre música e atualmente escreve sobre artes visuais.

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