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19:48 - 17/10/2023
ULTIMA ATUALIZAÇÃO::
Pivô entrevista Ícaro Lira

Pivô: Você é um artista que fundamentalmente faz pesquisas de campo, desdobrando-as em exposições, publicações, encontros, textos e conversas, todos esses com o mesmo peso dentro da sua prática. Visitando uma exposição sua, a impressão que temos é de que os objetos e esculturas tem a mesma importância de um livro ou texto, e que no fim você trata todos como documentos. Você não tem preciosismo com objetos “de arte”, e se serve deles como meio de pesquisar, de pensar, desmanchando-os e recombinando-os.

Ícaro Lira: E​m linhas gerais, eu percebo que meu trabalho parte de uma pesquisa em arquivo​ e de campo​ e num terceiro momento trata de como apresentar essa​ pesquisa. Tenho pensado meu trabalho a partir de dois triângulos, no primeiro, as pontas são formadas pela: pesquisa em arquivo, ​expedições​/caminhadas e exposição. No segundo, as pontas são formadas pela: publicação/livro, site/arquivo e conversas/debates.

Na Bienal da Bahia (http://www vimeo.com/112207147), acho que eu consegui realizar todas essas etapas do trabalho, mas nem sempre isso acontece. Depois de conhecer o​ Juraci Dórea​ e a forma como ele documenta tudo, acho que isso ficou mais latente em mim. Nas exposições, por exemplo, no site, eu tenho documentado tudo, imagens dos trabalhos, os textos de referência, os vídeos, os links.​ ​

Nas artes visuais, tem um caminho para os artistas que é passar o ano todo trabalhando para produzir obras para uma exposição. No meu caso, apesar da exposição amarrar e dar visibilidade à pesquisa, ela não é o final do trabalho, nem é ​​mais importante que as outras partes. Depois da exposição tem ainda todos esses outros agenciamentos, a publicação, as conversas, as oficinas, os vídeos e o site​ (arquivo)​ que é o repositório de todo o projeto.

 

Pivô: Pode falar um pouco do projeto “Museu do Estrangeiro”, no qual você trabalhou durante sua residência no Pivô?

IL: Sim, ​apesar da maior procura do país por estrangeiros, a legislação vigente ​aqui ​sobre o tema é bastante defasada. O que está em vigor atualmente é o ​”​Estatuto do Estrangeiro​”​, de 1980, considerado uma herança da ditadura militar e inspirado no paradigma da segurança nacional, que impõe uma série de ​controles burocráticos e restrições às possibilidades de residência no Brasil.

O “​Estatuto do Estrangeiro​”​, entre muitas coisas, veta ao imigrante o direito ao voto, o direito de se manifestar e se organizar politicamente, o direito de ser o proprietário de uma empresa e o direito de produzir qualquer tipo de conteúdo de mídia.

​”Museu do Estrangeiro” (http://www.buala.org/pt/vou-la-visitar/um-museu-no-bom-retiro) surgiu como um desdobramento de outras pesquisas que tenho realizado sobre a questão da migração Norte-Sul no Brasil, como o “Desterro” e “Campo Geral”, o ponto central desse trabalho foi discutir a falsa ideia do Brasil Mestiço e Cordial. O trabalho se desenvolveu a partir de uma série de entrevistas com imigrantes e refugiados que vivem no centro de São Paulo e da coleta de material impresso produzido pelas várias comunidades que vivem na cidade. (http://cargocollective.com/icarolira/Museu-do-Estrangeiro-1)

Inicialmente era uma pesquisa sobre a imigração em São Paulo, com os bolivianos e coreanos. Mas que se expandiu para um projeto sobre migração em geral, comecei a pesquisar muito sobre os processo de embranquecimento, voltei ao Nina Rodrigues e o Estácio de Lima.

Por conta do projeto do Museu do Estrangeiro, eu recebi um convite para trabalhar com refugiados africanos e haitianos que moram na ocupação Hotel Cambridge, no centro. Essa ação na ocupação está ligada a minha pesquisa atual, a “Frente de Trabalho”. Quero trabalhar, especificamente, com as remoções nas grandes cidades e suas consequências, como por exemplo, a Revolta da Vacina, no século passado, e as remoções durante a Copa do Mundo e as Olimpíadas no Brasil atualmente. A proposta é que eu faça uma espécie de censo dos refugiados para saber de onde e porque eles vieram para cá, qual a história deles.

 

Pivô: Para realizar essa pesquisa você troca conhecimento com agentes de diferentes​ ​áreas, como​ ​antropológos, sociólogos, funcionários dos centros de acolhimento. Qual a diferença de abordagem em uma pesquisa sobre imigração quando é feita por um sociólogo/antropólogo ou por um artista?​

IL: Acho que a principal diferença é na forma de apresentar ​essa​ pesquisa, um​ arquivo​. Essa é a imagem que busco​ ​desvelar. Para a expografia das minhas exposições eu não faço um plano de​ ​montagem,​ ​não desenho um croqui. Eu reuno todas as coisas que ​coletei​ durante​ ​a pesquisa, inclusive o mobiliário​,​ levo para o espaço expositivo e vou organizando​ ​(as fotografias, os fac​-​símiles de documentos, os livros da minha biblioteca, os vídeos,​ ​os objetos).​ No “Campo Geral” tem até o quadro negro, com​ ​o giz. Nesses trabalhos, eu repito os mesmos elementos, o palete com os livros, a caixa​ ​de guardar obra, os bancos de madeira, a mesa de trabalho com os cavaletes, as​ ​prateleiras, são todos mobiliários fáceis de construir que eu vou levando de uma​ ​exposição para outra.

​​Tento​ fazer um contraponto ao lugar fechado da​ ​pesquisa acadêmica, que fica restrit​o​ ao espaço da universidade. De fato, uma coisa​ ​que eu penso muito é ​como fazer uma pesquisa-trabalho que tenha alguma função social​, e o trabalho artístico ​tem uma liberdade bem maior que um texto acadê​mico.

 

Pivô: Você já participou de muitas residencias artísticas, qual a importância desse processo em sua prática?

IL: É​ fundamental, minha pesquisa está diretamente ligada ​a​o trabalho de campo, pesquisa em arquivos​ e a história oral​ dessas localidades onde desenvolvo as residências.​ ​

​Tenho uma​ trajetória bem recente, ​uma das minhas primeiras residências ​foi em 2012, o ROAD (http://cargocollective.com/icarolira/ROAD-Residencia-Movel), um projeto de Residências Móveis do Capacete ​(RJ). Participaram comigo os artistas Bruno Jacomino, Lucas Sargenteli e Sofia Caesar, numa viagem de carro do Rio de Janeiro/RJ até Belém/Pará e terminando em Brasília/DF, no período de dois meses.​ A​ proposta ​era ​investigar cidades que deixaram de existir, ou que estavam em processo de deixar de existir, ou que a gente ​ ​achava que iriam se modificar tanto, que deixariam de existir, em algum momento. ​ ​

M​ape​amos​ uma série de cidades​. Foi a​í​​​​​​​​​ que surgiu Canudos​​, foi meu primeiro contato com a cidad​e​; ​além de ter voltado ​depois de alguns anos ​ao sertão cearense, Quixeramobim​, Senador Pompeu​​ e ​Crato, que são cidades ​onde existiram os Campos de Concentração​ entre ​1915 e 1932​ ​durante ​períodos​ ​de ​Seca​ e foram criados pelo governo​ federal​ para abrigar e oferecer moradia e alimentação aos retirantes da seca. Os “currais do governo”, como ficaram conhecidos, serviram também para conter a migração para as grandes cidades, como Fortaleza, transformando-se em lugares de abandono e confinamento dessas​ ​populações.​​ ​

Nessa Residência foi também meu primeiro contato com a Amazônia. Essa​ ​viagem deu as bases​​ do projeto do Desterro ​que divido em três momentos, ​”Cidade Partida​”​​ (https://vimeo.com/110415466) em Canudos​,​ ​”​Campo Geral​” n​o sertão cearense, e o ​”​Frente de Trabalho” que é um projeto ainda em andamento​.​ Esses trabalhos para mim estão todos conectados​ e são aprofundamentos e desdobramentos das mesmas questões.​

 

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