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19:46 - 17/10/2023
ULTIMA ATUALIZAÇÃO::
Pivô entrevista Dan Coopey

Fernanda Brenner – Recentemente, a inevitável questão do papel da arte nestes tempos de insegurança, economias voláteis, mudança climática e turbulências políticas tem me perseguido. Quando o futuro não mais parece previsível, tendemos a olhar para o passado e suas narrativas estáveis para encontrar respostas possíveis sobre como chegamos até aqui e como devemos proceder. Seu trabalho examina e se apropria de técnicas vernaculares que são depois combinadas com objetos tribais encontrados e materiais industriais, por exemplo, um tecido Kuba antigo é remendado usando linhas de costura coloridas e baratas vindas da China. Como você vê a questão da permanência e como se relaciona com a proveniência dos materiais e técnicas que usa para dar forma a seu trabalho?

Dan Coopey – Meus trabalhos normalmente utilizam ou se desenvolvem a partir de objetos encontrados, particularmente objetos que estão conectados com o que eu chamo de “histórias especulativas” e objetos que têm narrativas duradouras que abrangem várias culturas ou a maioria delas. A cestaria é um exemplo disso, pois, devido à natureza perecível dos materiais naturais usados, restam muito poucos artefatos de cestaria antigos. Aquilo que conhecemos vem basicamente da fossilização.

Existe a teoria de que na pré-história, os artesão de cestas forravam os recipientes trançados com argila para que pudessem carregar líquidos. Incêndios acidentais fizeram com que algumas dessas cestas perecessem, restando apenas o recipiente de argila queimada original. Essa teoria me interessa muito, pois, nesta altura, a cestaria poderia ter ficado ultrapassada, no entanto, é amplamente usada até hoje.

Embora essas narrativas históricas informem minha prática, seria um erro concluir que meus trabalhos lidam apenas com o passado. Acredito que minha prática investigue uma questão muito atual que, por sua vez, também se relaciona ao futuro. Meus trabalhos em cestaria são muitas vezes interpretados por meio de histórias antigas. No entanto, com os novos trabalho exibidos no Pivô, o visitante verá a atualidade dos novos materiais quando contrastados/misturados com os recipientes indígenas encontrados.

Estou impaciente para ver meus trabalhos daqui a dez anos, pois entendo bem como a ráfia irá envelhecer, sua cor se tornará mais intensa com o tempo.

Na minha intervenção com os tecidos Kuba, que você menciona, remendei os furos e rasgos que apareceram com tempo, conforme as peças foram sendo usadas como vestimentas cerimoniosas. O valor desses tecidos depende largamente de sua condição. Estava interessado em ver como meus consertos iriam afetar o valor, pois minha intervenção pode ser considerada tanto um ato de compaixão – de alguma forma resgatando as peças da ruína – quanto um ato invasivo e até mesmo destrutivo. Independentemente de seu novo valor, minha interação assegura que eles permanecerão intactos por muitos anos, mesmo se não funcionarem mais dentro da cultura de onde vieram.

 

FB- Você sempre esconde pequenos objetos dentro de suas obras-cestas. Gosto muito da ideia de uma obra de arte ter um segredo, algo que apenas pode ser acessado se a escultura for quebrada. Às vezes os títulos nos dão dicas daquilo que tem dentro. Você pode falar um pouco sobre esses objetos escondidos e como você os seleciona?

DC- Os objetos que escondi em trabalhos trançados anteriores foram sempre objetos encontrados: ferramentas ou ornamentos feitos à mão usando materiais de base, metais, minerais etc. Esses objetos desempenham várias funções no trabalho.

Estou interessado em como o valor de um objeto é alterado quando este está fora de vista. Por exemplo, teclas de piano de ébano feitas à mão são apenas matéria bruta quando a única evidência de sua presença é a lista de materiais na legenda do trabalho. Acho interessante que daqui a cem anos, quando a cesta perecer, o objeto dentro dela irá reter seu valor original, embora, supostamente, nesta altura, o valor do ébano e o valor das teclas de piano terão subido ou caído. Esconder objetos salienta também a questão do valor atribuído à arte e ao artesanato. Cada vez que produzo um novo trabalho desta série, tento encontrar um objeto feito de um material que nunca usei antes. Gosto do desafio, pois conforme a série progride fica mais difícil. Os objetos são muitas vezes antiguidades, pois objetos artesanais estão cada vez mais obsoletos e foram substituídos por itens produzidos em massa. Toda vez que viajo, sou apresentado a novos materiais, por exemplo, na Sicília, encontrei o coral e aqui, no Brasil, vários itens são feitos com nozes, pedras e ágata.

 

FB- Você está experimentando uma técnica nova nesta exposição ao combinar artefatos indígenas encontrados (potes e cestas) com seus próprios métodos de tecelagem. Isso é diferente dos trabalhos com tecidos Kuba, pois, em vez de consertar furos no tecido antigo usando materiais novos, você está criando novas estruturas que partem do próprio artefato e o incorporam, portanto, anulam a possibilidade de uso prático e a relação com suas origens ou com qualquer tipo de valor simbólico que possam ter. Nestes trabalhos, a cesta indígena divide a mesma hierarquia dos fios de ráfia. Em sua prática, você está constantemente alterando as noções de valor material e simbólico, por exemplo, nos trabalhos em cobre. Você pode explicar como vê a relação entre valor atribuído e matéria-prima em seu trabalho?

DC- O uso de cestas indígenas nestes novos trabalhos vem parcialmente de um interesse naquilo que vejo como um conjunto de valores muito instável e flutuante que é atribuído a esses objetos. Removidos de seu contexto original, seu valor aqui na cidade grande, como São Paulo, é majoritariamente para uso decorativo, em particular entre as classes mais altas. Seu valor material aumenta de forma exponencial conforme as comunidades indígenas desaparecem, e hoje em dia há uma escassez de itens indígenas autênticos. A maior parte dos objetos encontrados em lojas que vendem produtos indígenas em São Paulo não é o que podemos chamar de artefatos genuínos, mas sim itens produzidos exclusivamente para esse nicho de mercado.

Minhas intervenções com essas cestas, que expandem e alteram suas formas com materiais e técnicas que são estranhos às suas origens, desativam sua capacidade de funcionar como recipientes práticos. No entanto, de certa forma, seu deslocamento já torna essa condição inerente.

Da última vez que estive em São Paulo, passei muito tempo estudando e admirando cestas indígenas, no entanto senti-me desconfortável tentando imitar as técnicas que aprendi. E, embora minha intervenção aqui possa parecer intrusiva, acredito que o contraste com minhas próprias técnicas de tecelagem permite, de alguma maneira, que os objetos encontrados retenham sua identidade e, talvez, até consigam aumentar a consciência dos visitantes em relação às formas e materiais específicos usados para criar os recipientes indígenas.

 

 FB- Técnicas arquitetônicas e artesanais vernaculares não são mais fáceis de achar no Brasil. A maioria dos objetos foi totalmente substituída pela manufatura industrial e pela importação ou é tratada como mercadoria “étnica” para fins decorativos. Em 1969, A Mão do Povo Brasileiro, exposição seminal de Lina Bo Bardi, recentemente reeditada no MASP, lidou com essas questões reunindo um vasto inventário daquilo que era “a mão do povo brasileiro”. Em sua nova versão, os curadores do MASP optaram por não atualizar a coleção e exibiram apenas peças do período. A exposição de 1969 se tornou em si uma peça de museu, e podemos dizer que a arte contemporânea está olhando cada vez mais para aquilo que é local e para a sua própria “pegada ecológica” (as últimas edições das Bienais de Veneza e de São Paulo são bons exemplos), em vez de endossar o extravagante e globalizado mundo da arte que se instalou no início dos anos 2000. Você me disse uma vez que é comum que as pessoas digam que seu trabalho parece brasileiro e se surpreendem ao saber que é feito por um artista inglês. Como você vê esse fato? Você concorda com essa abordagem? Ou talvez essa impressão do seu trabalho seja uma ideia estereotipada de que trabalhos feitos à mão pertençam ao mundo subdesenvolvido?

 DC- De fato, da última vez que estive em São Paulo, várias pessoas acharam que meu trabalho parecia “brasileiro”, e isso instigou os trabalhos que estou fazendo agora. Como um tecelão autodidata, conheço as origens específicas das tramas e materiais que utilizo, portanto consigo fazer uma distinção clara entre a tecelagem que faço – uma miscelânea de tramas do mundo todo que uso para produzir recipientes que não têm um verdadeiro ponto de referência em termos de identidade cultural – e as tramas e os materiais muito específicos usados aqui no Brasil.

Acho que os trabalhos resultantes são interessantes, pois, de certa maneira, afastam essa ideia. No entanto, até certo ponto, podem ser percebidos como mais “brasileiros” ainda, pois usam objetos brasileiros. Essa é uma ideia muito interessante. Em vários produtos daqui, na maioria alimentos, podemos ver o rótulo Made in Brazil. Já que sou um estrangeiro em São Paulo fazendo esses trabalhos, será que poderia rotulá-los como Made in Brazil? E o que isso significaria? Ainda não tenho resposta para essa pergunta.

Nas comunidades indígenas, objetos artesanais, como as cestas, normalmente são projetos coletivos: a obtenção dos materiais, a preparação e a produção em si envolvem várias mãos. Estou ciente de que estou produzindo esses trabalhos na cidade, em uma sociedade que está mais voltada para o reconhecimento do indivíduo. Isso fica evidente na mídia social etc., mas é interessante pensar nisso utilizando esses objetos em minhas obras, pois eles, de alguma forma, se tornam autorais e seus valores mudam por causa do meu nome. Talvez meu ato de tecer também atraia mais reconhecimento, precisamente porque estou fazendo isso em um contexto dominado pela rápida produção em massa e por telas planas. Mas espero que o reconhecimento do meu trabalho manual faça com que as pessoas considerem as outras mãos envolvidas ou mesmo vejam meus trabalhos como um projeto coletivo.

 

FB- Para terminar, você pode falar um pouco sobre o processo e a instalação desta exposição? O contexto e a arquitetura do local exercem um papel significativo na concepção da exposição ou você se concentra primariamente na produção das obras?

DC- Para esta exposição, escolhi um modo de apresentação bastante informal. Os objetos que eu criei são em si bastante informais. Esse método expositor não hierárquico também é uma referência aos ambientes das lojas que vendem produtos indígenas aqui em São Paulo que, normalmente, são um emaranhado de diferentes formas e texturas. Uma linda bagunça, um pouco como o que vemos no centro da cidade.

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